AMOR
DE ABACATEIRO
En
el tronco de um árbol una niña
Grabó
su nombre enchida de placer
(Eusébio
Delfin)
O
tronco rugoso faz cócegas na palma da mãozinha pequena de Maria Luiza. A menina
o alisa uma...duas...várias vezes. Olha para cima, bem para o alto, mas não
consegue enxergar a copa daquela árvore, que sempre lhe parecera tão
misteriosa. No quintal de sua casa, o silêncio dessa tarde nublada é quebrado
apenas por vozes indistintas, vindas do pátio vizinho. Maria Luiza respira
fundo, sentindo uma brisa fresca trazer-lhe o cheiro doce de arroz-com-leite.
Pensa que a avó deve estar na cozinha. Satisfeita de estar ali, de respirar, de
viver, a menina vê ao redor de si o jardim, a terra um pouco seca, algumas
galinhas que disputam a bicadas os últimos grãos de milho. Volta suas atenções
para o abacateiro. Lembra-se que seus pais se perguntavam à mesa, na noite
anterior, como é possível que aquela árvore tenha nascido sem ninguém
plantá-la. A menina, olhos fixos, boca entreaberta, olha abismada para a
árvore, de alto a baixo. Mas como pode alguém nascer sozinho? Ela, Maria Luiza,
sabia que tinha nascido de uma sementinha plantada pelo pai na barriga da mãe.
Mas quem será que plantou essa árvore? Será que ela tem um pai?
O
abacateiro, do alto de sua imponência, se comove com a curiosidade da menina,
que segue a fita-lo, com enlevo. Maria Luiza nunca lhe dera aquela atenção.
Qual seria o motivo daqueles carinhos, daquele rosto angelical a olhá-lo tão
atentamente? De repente, a menina desperta daquela contemplação. Com seis ou
sete passos, está na cozinha. O abacateiro aguarda, desconfiado. Maria Luiza
volta, carregando formão e martelo. Com pouca habilidade, começa a entalhar na
casca dura da árvore. O abacateiro sente cada martelada sem poder gemer ou
gritar. Quantas ainda estariam por vir? O que se vê é um quadro que, não fosse
pela dor, e pela condição de planta, lhe provocaria risos. Maria Luiza, a
língua rosada entre os lábios delicados, se esforça, martela, quase às vezes
acertando os próprios dedinhos. Olha para cima e para o formão, muito séria e
concentrada. Depois de alguns minutos, a menina para.Vê, risonha, o resultado
de seu trabalho. Entalhadas no tronco estão as iniciais de seu nome, ML, Maria
Luiza. O vento que prenuncia uma tempestade delineia, na carne exposta da
árvore, os contornos desses símbolos mal traçados. De que Maria Luiza agora lhe
pertence para sempre, não há dúvidas, e o abacateiro deixa cair junto a ela uma
de suas flores, diminuta, mas carregada de afeto. A menina a recolhe, não sem
antes olhar fixamente para o tronco daquela árvore tão grande e tão bonita.
Durante
muitos anos, o abacateiro maturou seus frutos e os deu para Maria Luiza e sua
família. Muitos eram doados, alguns poucos vendidos. Os abacates e a copa nunca
foram tão bonitos e vistosos, mas o tempo passou, a menina cresceu, e, de
súbito, o convívio acabou. Maria Luiza tinha ido tentar a vida longe. Parece
até que arranjara namorado.
O
abacateiro, nos anos seguintes à partida de sua companheira, recolheu-se a um
silêncio absoluto, silêncio que somente se quebrava quando um vento muito forte
lhe sacudia os galhos. Parou de dar frutos. Parecia que, ao contrário de uma
gravidez psicológica, o abacateiro contraiu uma esterilidade que não era
explicada com argumentos científicos. Por muito tempo foi assim. O abacateiro
ouvia, sentindo-se um pouco vingado, a família reclamar de que os frutos haviam
acabado.
Em
um sábado ensolarado e frio, Maria Luiza voltou. Era agora uma mulher, tinha
filhos, marido...No dia de seu retorno, um vento forte sacudiu os galhos do
abacateiro; parecia chamara a antiga paixão. Maria Luiza, ao passar por ele em
direção à cozinha, sequer notou o velho amigo. As horas se passaram, o vento
parou, o silêncio se fez.
No
fim da tarde, ela retornou ao quintal de sua infância. Olhou ao redor, com o
mesmo olhar deslumbrado de antes. Num relance, lembrou-se das letras que havia
marcado há tantos anos, no tronco daquela árvore. Ainda estavam lá, escurecidas
pelo tempo, tortas, mas nítidas. Maria Luiza riu dessa falta de jeito.
Abraçou-se ao tronco e o beijou.
-Meu
bom amigo! Nunca te esqueci.
O
abacateiro queria responder, mas o máximo que conseguiu foi um farfalhar
agitado e contente de suas folhas. Ao final desse ano, alguns botânicos de uma
universidade local foram chamados por um vizinho mais atento. Chegaram à casa
dos pais de Maria Luiza, que já havia ido embora com os filhos e o marido. A
razão da visita dos estudiosos não foi apenas a maturação precoce dos abacates.
Os frutos, caracterizados por serem piriformes ou redondos, estavam suspensos
dos galhos, pesados, de um verde vivo. E em forma de coração.
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