sexta-feira, 22 de abril de 2016

QUEM BEBEU FUI EU - por Rodrigo Alves (São Paulo, SP)



Foi assim que morri.
O sol invadia a sala pelas grandes janelas. Comecei a andar entre aquelas crianças correndo, guiados com rigorosidade por alguns adultos ordenando gestos e costumes corretos, de boa política. É uma lógica simples, os pequenos crescem para virar gente grande e fazer outros tantos diminutos que também crescerão. Assim segue o ciclo e no meio disso tudo se faz arte, política ou qualquer outra coisa.
E estávamos ali, eu e minha esposa, naquele orfanato, para escolher um daqueles pequenos. É que vim com defeito de fabricação, não posso fazer gente e, mesmo sabendo fazer arte, isso não é bem visto pelos outros crescidos. Temos de formar uma família de dois grandes e pelo menos um pequeno, é uma parte essencial da lógica.
As crianças corriam e pulavam corda, saudáveis. Uma atirava o pau no gato, outra chorava enquanto se escondia de um homem com um grande saco, ao mesmo tempo em que uma das crianças que corria era perseguida por um boi com a cara preta.

Naquele dia ensolarado, usei minha pior roupa de sair, aquela que vai uma sobre a outra. Escolhemos um dos pequenos, olhamos com graça para aqueles olhos amendoados e estirados e depois um para o outro, cumplices na aposta. Minha esposa levantou nos braços e beijou sua testa. Feliz com sua decisão e sem nem me importar com a qualidade da escolha, afrouxei a gravata e me apoiei à parede, então vi o copo sobre o piano.

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