sexta-feira, 22 de abril de 2016

LAVANDO A ALMA - Conto de Mirian Canavarro (Barueri, SP)

 LAVANDO A ALMA

Ah se pudéssemos medir a temperatura do coração, saberíamos o quanto aquele comentário aqueceu seu órgão vital. Mas não foi essa reação que deixou o homem atordoado. Ficou bem surpreso ao ver que uma frase limitada a quatro palavras, despertou uma parte do seu corpo que há muito tempo não reagia instantaneamente a estímulos externos.
Maravilhado pela volta da virilidade aproveitou-se dela como pôde... Exausto e ofegante, caiu no sono.
Teve uma noite agitada, confusa. Sonhos difusos, desconexos, mas sempre protagonizados pelo rosto daquela cuja foto não conseguiu apagar – nem da memória, muito menos do celular.
Pela manhã, acordou aflito. Ensaiou uma dezena de respostas para dar continuidade à conversa. Horas depois atingiu uma frase satisfatória, floreada de adjetivos e palavras de efeito. Pronto, enviou!
Naquele instante o mundo parou. Não existia nenhuma outra obrigação existencial senão atualizar a tela do celular. Nem seus 72 anos de idade demoraram tanto a passar. Nunca se viu tão dependente de um objeto, como estava daquele aparelho. Sequer a muleta lhe fez um dia tamanha falta. Esperou, esperou, esperou, até que no meio da tarde finalmente a moça deu sinal de vida.
Se por um lado o homem estava afoito para checar a veracidade da foto – afinal, tanta perfeição levantou suspeita. A moça preferia tratar de assuntos existenciais. Apoderou-se do teclado e fez da tela seu divã virtual.
Saciada de belas e novas palavras, retribuiu o galanteio com o que dispunha a oferecer: uma foto de corpo inteiro. Pronto, bastaram cinco segundos para que a curiosidade se transformasse em cobiça, a vontade em lascívia, o impossível em concreto. Sim, olhava, mas não acreditava. Lá estava ela, numa foto bem tirada, coisa de profissional, com corpo praticamente desnudo, expondo sem pudor suas perigosas e impressionantes curvas.
O que é isso meu Deus? – bradou o homem!
Silêncio.
O suspense foi quebrado com o derradeiro ato de benevolência: “olha, não se preocupe comigo, se quiser, pode postar essa foto na sua rede!” – informou a moça.
Despediram-se e antes mesmo que a aba da conversa fechasse, lá estava ela, protagonizando uma nova e audaciosa postagem.
Evidente que os amigos disputavam espaço nos comentários. Todos queriam saber quem era aquela. Envaidecido, não mediu esforços para explicar: “É meus camaradas, acredite se quiser, mas essa moça aí disse estar apaixonada pela minha alma”. Respondia orgulhoso.
Glorioso, regozijou da fama tardia de garanhão. Sentia-se como Rock Balboa triunfando sobre o invicto Apollo Creed. Chegou a ensaiar uns pulinhos, ao som de Gonna Fly Now, mas bastou levantar os braços para a escápula reclamar. Nem por isso desanimou, acomodou-se no sofá, fechou os olhos e deixou que a imaginação realizasse todo o esforço.
A euforia foi diminuindo na medida em que os dias foram passando sem notícias da moça. A felicidade transformou-se em tristeza, do tipo lamuriosa e grudenta, que derruba um sujeito mais rápido do que um cruzado de esquerda.
Nocauteado, permaneceu inerte em seu leito. Entre um cochilo e outro, via o quarto clarear e escurecer, esquentar e esfriar. O tempo passou. Sua vontade de viver também.
Quando estava prestes a desistir da vida, a musa ressurgiu.
Apressada e eufórica limitou-se a agradecer pela divulgação da foto. Contou ainda que graças àquele post, estava com a agenda lotada, por isso a falta de tempo para conversas virtuais. Trabalhava dia e noite.
O pobre enfraquecido à primeira vista não entendeu nada, mas a partir daquele dia passou a aguardar paciente um novo contato.

Não sofria mais, ao contrário, sentia-se especial, pois tinha reservado para ela algo que os outros homens não estavam dispostos a oferecer – sua alma.

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