O
CASO DA MULA-SEM-CABEÇA
Lá
pelas bandas da Serra Preta havia uma cisma de assombração que era afamada por
toda a região, sobretudo na época da Quaresma (Ô tempo danado, sô!). Ninguém se
arriscava a passar por aquela encruzilhada, onde a estrada estreita fazia uma
praça - dava de se alargar - talvez para facilitar a parada daqueles que por
ali passavam a cavalo e se confundiam por onde seguir nos caminhos do
entroncamento. Até diziam que, por ser um lugar assombrado, ao chegar ali a
confusão era certa, principalmente à noite (...e o medo também).
Por
aqueles lados, o que não faltava era uma boa estória sobre aquela passagem. Mas
a que vou contar agora, eu juro que foi verdade porque ouvi da minha mãe, que
ouviu da sua avó, que contou com detalhes de se arrepiar.
Era
no tempo da quaresma (como tinha que ser) e João Francisco, Teobaldo, Joaquim e
Ozório, dois irmãos da minha bisavó e dois amigos deles, resolveram ficar na
cidadezinha até o anoitecer, aproveitando a prosa no bar do Juca, pois a lua
era cheia e a estrada estaria iluminada. Um pouco alegre depois de alguns goles
a mais, subiram em seus cavalos trotadores e seguiram a viagem, uma légua e
meia até as primeiras fazendas. Mais ou menos na metade do caminho, iriam
passar pela tal encruzilhada, seria inevitável. Não tinham nem uma trilha para
desviarem.
A
conversa animada, entre piadas e gargalhadas, foi interrompida bruscamente ao
avistarem um clarão no alto do morro, iluminando ainda mais a areia branca da
estrada. Era a mula-sem-cabeça, não tiveram dúvida. Ela vinha para a encruzilhada
encontrar outra que estava arrastando as patas pelos lados de lá.
Não
havia tempo para mais nada, a não ser fazer o que aprenderam com os seus
antepassados. Desceram dos cavalos, saíram da estrada e Teobaldo desenhou com
um pedaço de galho de árvore seca, uma estrela enorme chamada “cinco Salomão”,
porque tinha cinco pontas iguais. Dentro dela, colocaram os cavalos e deitaram
debruço. Ozório recomendou a todos para esconderem as unhas, os dentes e fechar
os olhos, pois a mula não podia “ver” essas partes do corpo de nenhum deles
(nunca entendi este detalhe, pois nem a minha fértil imaginação de criança,
desde a primeira vez que ouvi esse caso, pode localizar os olhos desta
assombração). Fazendo isso, eles estavam salvos. Foi uma correria danada para
darem conta de se ajeitarem antes que ela passasse. E ao ouvirem as patas da
“bicha” tinindo nas pedras da estrada, e o poeirão levantando após a
encruzilhada, sentiram-se aliviados.
Eles
não foram notados porque ela estava furiosa para encontrar a sua rival. O
encontro das duas foi uma briga só, não dava para olharem para trás, seria
arriscado. Mas o fogaréu que se avistava de longe já era conhecido por qualquer
caboclo da roça.
Passado
o medo e o susto, puderam pegar os seus cavalos e saírem da estrada. Sem voz e
com os olhos arregalados, chegaram em suas fazendas com as calças borradas.
No
outro dia, os aventureiros tinham mais uma estória da mula-sem-cabeça da
encruzilhada da Serra Preta para contar, sem esquecer os minuciosos detalhes
que o acontecido merecia.
Ainda
hoje as novas gerações da minha família escutam os mais “reais” casos de
assombração (que eu faço questão de contar) e, à meia-noite de lua cheia, na
sexta-feira da paixão, ninguém se arrisca a sair na porta de casa ou a olhar da
janela para a rua, pois é certo que podem ver uma mula-sem-cabeça descendo a
Av. Amazonas ou o carroção de rodas quadradas subindo a Rua Dep. Delson
Scarano, rumo ao cemitério da pacata cidade do interior das Gerais.
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