O
SUSTO
Quase
novembro, e a manhã com preguiça de começar. Ainda sente a dormência no corpo e
os olhos remelentos que, transbordando sono, negam-se a acordar. Sentado
aguarda. Não tem muito que fazer, não consegue. O rádio mal sintonizado do
outro lado da bancada repete um som muitas vezes incompreensível para ele. Os
pés balançam pendurados, indolentes, e os mexe só para ver a sombra que reflete
na lateral do armário da cozinha. Como se caminhasse – a sombra. Mesmo assim,
inapetente de curiosidade vê o gotejar cadenciado de um pingo e outro. E, ali,
deixa ficar os olhos semi-abertos por um tempo, até que a luz do sol bate na
pia e o reflexo colorido que ultrapassa a água o incomoda. Desvia-os. Uma
lombeira toma conta, dobra os braços sobre a pequena mesa que o ampara e deita
a cabeça vazia de idéias, só igualada ao vazio do estomago da hora. Aguarda
sozinho, imerso no silêncio e no torpor morno que o domina. É quando as vê.
Formigas em fila contra a parede rente ao chão num ir e vir compassado.
Hipnotizado acompanha trajetórias, enquanto uma mosca estonteada pelo cheiro
úmido do suor zumbe e voa ao seu redor.
Apressada
tropeçou, e na busca do equilíbrio, jogou o corpo e os braços para frente. O
açucareiro de porcelana, que há anos estava na família, chocou-se contra a
parede. Rachou com um estrondo. No mesmo instante, começou a chover cacos. O
som seco do baque e o grito dela ocuparam seus ouvidos. Como um temporal de
verão, cristais de vidro e açúcar tamborilaram no chão, pontilhando o assoalho
com um rastro branco e doce. Imediatamente, um véu negro, desenrolado ao vento,
invadiu os fragmentos junto à parede. As formigas perderam a fila e o rumo na
mesma sintonia do choro forte que invade a cozinha. Ele leva as mãos ao rosto
movido pelo susto suspenso no ar e continua a chorar, afinal, é apenas uma
criança a espera da mãe para o mingau da manhã.
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